No livro escrito pelo jornalista Misha Glenny é possível entender por completo o desenrolar da vida do Nem em paralelo ao crescimento do tráfico de drogas no Brasil. Antônio era um homem pacato sem muitas ambições, com um emprego regularizado e a chance de crescer na empresa ele vislumbrava um futuro melhor para a esposa e a filha recém nascida, apesar das dificuldades que passou na infância o jovem acreditava que a vida estava se encaminhando e talvez em uma realidade alternativa a história de Nem e de sua família poderia ser outra, porém logo o jovem casal são surpreendidos por um problema, a filha, ainda um bebê é portadora de uma doença rara. Os pais passam meses sem saber ao certo o que a filha tem, pode ser tuberculose, porém evolui de forma rápida, pode ser um câncer, mas não é. A criança sofre de uma síndrome conhecida como "Histiocitose X" que atinge uma em cada 200 mil pessoas. É aí que a vida de Antônio toma rumos tortuosos, neste momento ele já se encontra desempregado, precisando de 20 mil reais para o tratamento da filha decide recorrer a lei da favela, ao estado próprio que muitas vezes é o único a suprir as necessidades dos moradores. Lulu é o traficante da vez, a Rocinha é o seu feudo, e por incrível que pareça a paz reina, ele é do tipo que prefere manter os problemas longe da comunidade, discreto, porém acessível a quem precisa, é ele que vai guiar Antônio em sua nova vida. Ao pedir dinheiro emprestado ao dono do morro o jovem sabe que vai ter que pagar trabalhando no tráfico de drogas, é assim que começa a ser segurança de uma boca de fumo. Como está no próprio livro "Subiu o morro como Antônio. Desce como outro homem, a partir de agora conhecido pelo apelido de Nem."
A cada capítulo é possível ler e sentir a mudança do homem, Nem é rápido, prático e inteligente, cresce dentro da organização, é de confiança, mas aos poucos se vê cada vez menos de Antônio, agora é um homem mulherengo, com outras ambições. Podemos dizer que a morte de Lulu é um divisor de águas, sem ele a favela volta novamente ao caos, e com um agravante Lulu já tinha rachado com o Comando Vermelho e fazia conexões com a facção rival, os Amigos dos Amigos, conhecido como ADA. Agora é guerra e é pra valer, ninguém quer perder um dos territórios mais lucrativos do Rio de Janeiro. Em meio a confusão nasce um novo líder, Nem toma o poder, em uma ascensão tida como rápida, agora ele é o Dono do Morro. Preciso confessar que por alguns minutos fechei o livro e tentei recordar que isto é uma história real, porque por vários momentos parece ficção, mas não é. É uma história de gente de verdade, é um relato que poderia ser de um amigo, de um conhecido, de um parente, porquê é a nossa realidade. No livro também conhecemos outros personagens marcantes como Bibi Perigosa, a estudante de direito que se envolveu no tráfico por amor cego ao marido e continuou pelo amor a luxúria, ao poder. Além dos agentes da lei, aqueles que estão comprometidos de verdade, como Octávio e Renata, que tiveram uma relação estreita com Nem quando tentaram mediar um rendição, ou então os detetives Bárbara, Estelita e Leal. Cada um tem uma história a contar, cada um movimenta as peças de um jogo muito maior do que se pode imaginar.
A queda de Nem se dá por vários fatores, mas o principal é o cansaço. Ninguém consegue conter as guerras internas, as brigas de facções, as intrigas entre as mulheres, as operações policiais, o suborno, inclusive no livro é relatado que cada policial corrupto ganha 50 mil de cada facção para fornecer informações sigilosas, aí vem o questionamento como combater isso? Se um PM no Rio tem um dos salários mais defasados, é uma conta que não fecha, é uma influência do ambiente da qual se torna difícil escapar. Ao longo da leitura também acompanhamos as medidas do então Secretário de Segurança Pública, Beltrame e do governador da época, Sérgio Cabral, que hoje se encontra preso em Bangu 8, presídio do Rio de Janeiro. Vemos também a implementação das Unidades de Pacificação (UPP), o sonho utópico de fazer o Estado por meio da polícia dominar as favelas só fortaleceu outra face do crime, as milícias. É uma Hydra um cai e mil se levantam.É um mar de corrupção e desamparo.
A prisão do Nem foi de tirar o fôlego, mas não poderia ser para menos, ao fim do livro vemos que próprio escritor cria uma empatia pelo personagem, ele é um homem comum, que poderia ter sido algo mais se não tivesse sido arrastado e conquistado pelo tráfico de drogas. Na minha humilde opinião é uma leitura obrigatória e esse texto é apenas um complicado muito pequeno comparado com a intensidade da história de a genialidade de Misha Glenny.
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