ROTA 66: A farda que protege seus iguais e mata os ideais que jurou defender


Foto: Autoral 

Rota 66 é uma obra excepcional, é a dosagem exata da genialidade com a crueldade do submundo da polícia brasileira. As histórias contadas por um dos maiores jornalistas do país, Caco Barcellos, são os relatos de famílias dilaceradas pelas técnicas, nada convencionais, da Ronda Ostensiva Tobias Aguiar (ROTA). O grupo de elite da Polícia Militar do estado de São Paulo é apenas um esquadrão do crime regularizado, eles têm licença para matar, torturar e difamar, tudo isso para sair como os heróis de farda. A Rota nasceu na ditadura para conter qualquer força que ameaçasse a ordem militar, a tropa foi o embrião para a criação de outros batalhões especiais, inclusive o tão temido Bope, que atua no Rio de Janeiro sob o regime da caveira. 

O livro começa com o fuzilamento de um grupo de jovens de classe média alta, que confundidos com bandidos acabam por um azar dando de cara com a equipe 66 da Rota. O destino daqueles meninos possivelmente teria sido diferente se a polícia soubesse a classe social de cada um, mas com uma sede para matar os profissionais da segurança pouco se importam com culpados e inocentes. Na escuridão da noite um simples movimento brusco pode causar o embate final com os temidos homens da morte. 

O caso da execução dos cinco jovens repercutiu e chamou a atenção de Caco, que foi além de todas as expectativas, sem fontes oficias, pois estas só sabiam repetir um relatório extremamente ficcional, o jornalista fez aquilo que falta hoje em dia: jornalismo de verdade, sem amarras, sem acordos políticos e com intuito de entender como os milicos conseguiam matar tanto e ainda serem promovidos por tal feito. 

Para dar continuidade a leitura recomendo um pouco de estomago, pois, os tiroteios, as torturas na frente de crianças, a arrogância, são elementos recorrentes. Caco criou todo um sistema de mapeamento dos assassinatos praticados pela ROTA, usando as reportagens do jornal Noticia Popular (NP), que basicamente apenas publicava a nota que os policiais passavam de mão em mão, a partir daí o trabalho seguia no IML, com a ajuda de alguns informantes descobriram um padrão chocante.

Os policiais adulteravam as cenas das mortes, como quem brinca de Deus e Diabo, fabricavam provas como um júri e carrasco e sempre detalhavam circunstancias impossíveis: vários homens fardados em confronto com apenas um meliante (que por sinal nem sempre tinham passagem), da cena de guerra o acusado saia morto com tiros na cara, no peito, disparos feitos após seu falecimento, mas os heróis nacionais, a polícia socorria  os feridos e levam para hospitais muito longe do local do crime, os médicos relatavam que todos chegavam mortos e os homens da Rota exigiam que no relatório fosse colocada outra versão. 

Dos mortos temos uma semelhança, são homens pretos e pobres, alguns sem nunca ter tido um misero desentendimento com a Lei, mas isso não conta, na calada da noite, no meio da rua, a Lei é do mais forte, é da arma que atira mais, é de quem usa a farda para se proteger e não para proteger o próximo. 

Um dos ajudantes de Caco era um menino preto, que em um momento entrou em choque a ver seus iguais estirados em uma maca do IML com o corpo cravado de balas. Ao fim do livro vemos que nada muda, temos os nomes dos maiores matadores do estado de São Paulo e punição deles foram medalhas e patentes altas dentro da corporação. O sistema mata porque foi criado para isso, porque tem quem ganhe com a morte de um qualquer.

Quase 30 anos depois da publicação da obra a nossa realidade é mesma. A polícia matou uma jovem negra, gravida, matou crianças e matou um dos maiores milicianos do Rio de Janeiro, usando mesma tática de relatório, não estou aqui para definir se ele merecia ou não morrer, mas ele tinha história para contar, possivelmente sabia as entranhas do crime, porém a queima de arquivo é uma atividade antiga. A pergunta que fica é a polícia protege a quem? Quais os interesses de um assalariado que mata outro assalariado? 


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